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Txai Suruí: “Não há como falar de mudança climática sem falar de pessoas”

Quando Txai Suruí entra no restaurante, a hostess logo a direciona para a mesa onde estava a reportagem da EXAME. A menina usava um casaco amarelo, desses acolchoados, colares e um cocar de penas. No rosto, óculos. A educação britânica dita que não se deve esboçar reação pela aparência das pessoas, o que é o certo. Dias depois, quando a reportagem voltou ao mesmo restaurante, no entanto, todo o estafe sabia de quem se tratava.

A presença de Txai é marcante. Ela transita por todos os lugares como se pertencesse. O mundo é a sua casa, a Terra, sua mãe. A jovem não come carne, em respeito a essa conexão com a natureza — a não ser quando está nas aldeias, isolada na Amazônia, onde a carne de caça é um alimento primordial para a sobrevivência. Não há contradição. Só um mal-intencionado não percebe que seu vegetarianismo é político, um protesto contra as práticas insustentáveis e, muitas vezes, cruéis da indústria de alimentos. Txai não quer virar o mundo do avesso, apenas pede respeito.

Na semana passada, a indígena, de 24 anos, discursou, em inglês, na abertura da Conferência do Clima da ONU, a COP26. Foi a única brasileira a participar da cerimônia. Ela dividiu o palco com Antonio Guterrez, secretário geral da ONU, e Boris Johnson, primeiro-ministro britânico. Foi o ápice de um processo que começou no ventre, a partir do ativismo de sua mãe, Neidinha, e de seu pai, Almir Suruí, veteranos da luta dos indígenas por equidade. Mas Txai ainda não chegou ao topo da carreira.

Apesar da exposição dos últimos dias, a jovem ainda se sente invisível. Ela está cansada de ser a única indígena por onde passa, na escola onde estudou em Rondônia, na faculdade onde cursa direito, no estágio no Ministério Público, nas ruas. Também não aguenta mais as ameaças de grileiros e outros criminosos contra sua família. Sua voz ganha um tom de ódio quando fala do tempo que precisou viver sob escolta da Força Nacional, “os piores anos de sua vida”.

Tirar os povos indígenas da invisibilidade é só o primeiro passo de seu plano. Txai, com a confiança de uma empreendedora nata, acredita que o conhecimento ancestral de seu povo é a chave para resolver o problema das mudanças climáticas – problema, aliás, que está custando trilhões de dólares para a economia global. Há uma relação direta entre floresta preservada e povos indígenas, diz ela, e isso se mantém há milênios.

No momento em que o mundo se pergunta como fazer para não destruir o planeta, não seria inteligente perguntar para quem preserva a natureza há tanto tempo? O modo de vida indígena, possivelmente, não é a solução para todos os problemas, mas é, sem dúvida, um benchmark. Para salvar o capitalismo, no entanto, eles precisam ser notados, reconhecidos e respeitados.

No jantar com a EXAME, Txai pediu um hambúrguer vegano, bebeu vinho e falou sobre a vida, seus planos e sua luta. A conversa foi tão boa que o tempo passou, a cozinha fechou e não deu tempo de pedir a sobremesa. Gentilmente expulsos, o jeito foi continuar o papo em uma caminhada pelas ruas de Glasgow, até a estação, onde Txai e seu namorado pegariam o trem de volta a Edimburgo, cidade em que estão hospedados. Confira a seguir, em texto e em vídeo, os principais trechos da conversa:

Qual o propósito da sua atuação na COP26?

Eu vim para a COP para trazer a voz dos povos indígenas do Brasil, trazer a nossa realidade. Como falei no discurso de abertura do evento, é preciso mostrar o que está acontecendo com os povos indígenas e porque temos que estar no centro da discussão climática.

Não há como falar de mudanças climáticas sem falar de pessoas. E principalmente das que estão à frente desta luta, que somos nós, os povos originários.

Se você pegar o mapa do Brasil verá que onde há floresta em pé há presença dos povos indígenas, e por isso precisamos participar das discussões.

Como a delegação indígena tem se organizado e participado da COP26?

A gente tentou trazer o máximo de diversidade porque, apesar de sermos todos indígenas, somos diversos. Cada um em um território, cada um travando sua luta. Viemos mostrar nossa força., quanto mais povos indígenas na discussão, mais força temos.

Somos em mais de 40 indígenas aqui na COP e ninguém sabe de a articulação que fizemos, com muito trabalho e parceria para estarmos aqui, para conseguir credenciais, alojamento e até nos mantermos aqui, que é um lugar muito caro.

A COP ainda é inacessível para os mais vulneráveis, para os que deveriam ser as pessoas no centro da discussão — não só nós, mas também as pessoas das favelas e das periferias, que sofrem com as consequências climáticas.

Que tipo de resultado se espera com essa participação?

O resultado que a gente espera é parar de ter tantas palavras e começar a ação de fato. Não temos mais tempo, é preciso agir agora. Por exemplo, os povos indígenas estão pedindo demarcação; a saída dos invasores da nossa terra; o fim do desmonte dos órgãos ambientais; e que o governo pare de enfraquecer as leis ambientais.

O Brasil sempre foi importante nessa discussão e pode ser o herói do mundo com a Amazônia e os povos indígenas, mas também pode ser o vilão. Onde vamos nos colocar?

Entre a discussão de herói e vilão há a justiça climática. O que é isto e por que é importante ter diversidade na questão?

A justiça climática passa pela justiça social e fala de pessoas. Não é só uma questão de manter a floresta preservada, mas manter as populações também e, por isso, temos que estar inseridos.

Não tem como alguém estar falando pelos povos indígenas enquanto somos nós lá, sofrendo na linha de frente, lutando com as nossas vidas e morrendo por isso muitas vezes. É inconcebível que as pessoas que mais sofrem não estejam participando, ou ainda que tenham outras pessoas falando por elas.

Como incluir a todos na pauta da mudança climática?

O cerne da questão climática é ser um diálogo acessível para todo mundo. Eu estou sofrendo, os povos indígenas estão sofrendo, mas todo mundo precisa entender que também vão sofrer com isso.

A luta dos povos indígenas é uma luta de todo mundo, e acho que deveríamos falar de compromisso. Nós, povos indígenas, estamos compromissados com a agenda climática, em proteger, restaurar e devolver para a natureza o que foi tirado dela.

E sobre os países, penso que não é só dar dinheiro para a Amazônia, mas ser compromissado com o que estamos fazendo. Não são soluções paliativas que precisamos neste momento, temos de ser radicais. A gente não tem mais tempo, e não sei todos entenderam isso.

Para a gente sair dessa crise, o mundo precisa ouvir e entender que as discussões não podem acontecer sem nós. Hoje a Amazônia é essencial para o equilíbrio climático, e os povos indígenas têm a solução. A gente está fazendo a nossa parte, mas todo mundo precisa fazer a sua parte também, a gente não consegue sozinho.

Fonte: Exame

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