O pior da pandemia pode já ter passado para as companhias de aviação, mas o setor enfrenta outra crise iminente: a prestação de contas por sua contribuição para a mudança do clima.
O setor está sofrendo pressão cada vez maior para fazer alguma coisa que reduza e um dia elimine as emissões de poluentes relacionadas às viagens, mas isso não será fácil. Algumas soluções, como células de combustível de hidrogênio, parecem promissoras, mas não está claro quando elas estarão disponíveis, se é que um dia estarão.
Isso deixa poucas opções para as empresas. Elas podem alterar modestamente seus métodos para ganhar eficiência, esperar que a tecnologia melhore, ou investir agora para ajudar a criar opções viáveis no futuro.
“É uma grande crise, e uma crise premente —muita coisa precisa ser feita, e logo”, diz Jagoda Egeland, especialista em política para a aviação no Fórum de Transporte Internacional, parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “É um setor onde é difícil reduzir os poluentes. Sempre haverá alguma emissão de carbono”.
Os especialistas afirmam que as viagens aéreas comerciais respondem por cerca de 3% a 4% das emissões de gases causadores do efeito estufa nos Estados Unidos. E embora os aviões tenham se tornado mais eficientes a cada novo modelo, a demanda por viagens aéreas vem crescendo mais do que os avanços obtidos.
A ONU antecipa que as emissões por aviões de dióxido de carbono, um dos grandes causadores do efeito-estufa, tripliquem até 2050. Pesquisadores do Conselho Internacional de Transporte Limpo afirmam que as emissões podem crescer até mais rápido.
Antes da pandemia, um movimento que promovia a “vergonha de voar” a fim de desencorajar viagens aéreas em favor de opções mais ecológicas vinha ganhando terreno mundialmente graças a Greta Thunberg, a ativista sueca do clima. Havia sinais iniciais de que o movimento tivesse promovido uma redução nas viagens aéreas, na Alemanha e Suécia. Agora, os legisladores franceses estão considerando proibir voos curtos que possam ser substituídos por viagens de trem.
Os investidores estão pressionando as empresas para que revelem mais informações sobre seus esforços de lobby legislativos quanto às questões climáticas. E algumas grandes empresas, cujos funcionários atravessam frequentemente o planeta e ocupam os luxuosos assentos da classe executiva, estão reconsiderando seus orçamentos de viagens a fim de reduzir despesas e emissões.
A urgência do problema não escapa ao setor. Scott Kirby, presidente-executivo da United Airlines, fala frequentemente sobre a necessidade de lidar com a mudança do clima, mas mesmo ele reconhece que o setor terá dificuldade para promover um meio ambiente mais limpo. Ele quer que a United e outras companhias de aviação experimentem coisas diferentes, para determinar o que funciona.
“É a maior questão de longo prazo que nossa geração enfrenta. É o maior risco para o planeta”, disse Kirby em entrevista recente. “Há muitas coisas quanto às quais podemos competir, mas todos nós deveríamos tentar fazer diferença, no combate à mudança do clima”.
Há esforços para adotar propulsão elétrica em aviões menores, para trajetos curtos —um dos projetos tem o apoio da United—, mas fazer o mesmo nos voos mais longos e em aviões maiores será difícil, talvez impossível.
Aviões comerciais como o Boeing 787 e o Airbus A320, capazes de carregar algumas centenas de passageiros, precisam de uma quantidade imensa de energia para chegar à altitude de cruzeiro —mais energia do que baterias modernas são capazes de fornecer de modo eficiente.
Um dia, as células de combustível de hidrogênio e o combustível de aviação sintético poderão ajudar a eliminar os poluentes do setor, e projetos experimentais já começaram, especialmente na Europa, onde a Airbus afirma que planeja produzir um avião com emissão zero de poluentes em 2035. A Boeing colocou sua ênfase em desenvolver aviões mais eficientes no uso de combustíveis, e tem o compromisso de garantir que todos os seus aviões comerciais possam voar exclusivamente com combustível de aviação “sustentável”, produzido de resíduos, plantas e outros materiais orgânicos.
Em uma usina petroquímica perto de Houston, a Neste U.S. e a Texmark Chemicals estão convertendo diesel importado e não destilado em combustível de aviação renovável. O diesel não destilado é feito com resíduos de óleo de cozinha e de fábricas que processam rações animais e legumes.
A Neste, uma companhia finlandesa, é a maior produtora mundial de combustíveis de aviação renováveis. Seus clientes nos Estados Unidos incluem American Airlines, JetBlue e Delta Air Lines.
A United, que adquire combustível de aviação renovável da Fulcrum BioEnergy e da World Energy, anunciou recentemente um acordo com uma dúzia de grandes clientes empresariais, entre os quais Deloitte, HP e Nike, que resultará na aquisição de 12,8 milhões de litros de combustível sustentável pela companhia de aviação este ano. A American fechou acordo para adquirir 34 milhões de litros desse tipo de combustível, em prazo de alguns anos, e a Delta diz que planeja substituir um décimo de seu combustível de aviação por alternativas renováveis até 2030.
“Existe um imenso potencial de crescimento para o combustível de aviação sustentável”, diz Jeremy Baines, presidente da Neste U.S. “É um nicho de mercado, hoje, mas está crescendo com muita rapidez. De hoje a 2023, vamos elevar nossa produção em pelo menos 15 vezes”.
A Neste produz 132 milhões de litros de combustível de aviação renovável por ano e espera atingir 1,9 bilhão de litros por ano no final de 2023, acelerando a produção de refinarias em Cingapura e Roterdã (Holanda). Isso basta para abastecer cerca de 40 mil voos de aviões “wide-body” entre Nova York e Londres, o equivalente a bem mais de um ano de voos entre esses dois destinos no período anterior à pandemia.
Mas é importante colocar esses números em perspectiva. As companhias de aviação dos Estados Unidos usaram mais de 6,8 bilhões de litros de combustível em 2019, e o país como um todo consome mais de 380 bilhões de litros de derivados de petróleo a cada ano.
A consultoria norueguesa Rystad Energy prevê que os combustíveis renováveis se tornarão cada vez mais econômicos a partir de 2030, e fornecerão 30% de todo o combustível de aviação em 2050. Mas a consultoria americana IHS Markit estima que o combustível de aviação sustentável responderá por apenas 15% do combustível total do setor em 2050.
O combustível de aviação renovável também tem seus limites. Ele reduz as emissões de carbono em apenas 30% a 50%, ante o combustível convencional, de acordo com Daniel Evans, que comanda a área de refino e marketing da IHS Markit. Além disso, a produção do combustível pode causar desflorestamento, na obtenção da matéria-prima.
Algumas companhias querem contornar esses problemas ao evitar safras agrícolas. A Fulcrum, na qual a United está apostando, planeja construir uma fábrica no Reino Unido para produzir combustível de aviação com base em resíduos de aterros sanitários e outras formas de lixo. A Red Rock Biofuels, do Colorado, espera usar resíduos de polpa de madeira.
Mas o desenvolvimento de combustíveis renováveis produzidos com base em resíduos ou substâncias como algas de crescimento rápido vem sendo frustrantemente lento.
“Vai ser realmente difícil”, diz Evans. “Mesmo que a queima seja 100% de biocombustível, isso não bastará para chegar a emissões líquidas zero de poluentes”.
Os bicombustíveis também são 50% mais caros do que os combustíveis convencionais, em termos de custo de produção, de acordo com Michael Webber, vice-presidente de ciência e tecnologia da Engie, uma empresa francesa de energia que está trabalhando no desenvolvimento de combustíveis de aviação avançados.
O hidrogênio oferece outra possibilidade, ainda que provavelmente seu desenvolvimento deva exigir algumas décadas. Em lugar de baterias ou turbinas alimentadas por combustível, o avião acionado a hidrogênio que pode surgir um dia operaria com tanques de hidrogênio e células de combustível, ainda que seja necessário um avanço tecnológico para reduzir o tamanho dos tanques e das células. O hidrogênio poderia ser obtido de fontes renováveis de energia como a solar e a eólica, para reduzir as emissões causadoras do aquecimento global. Mas esse tipo de combustível custa de duas a três vezes mais que o combustível convencional, dizem especialistas.
Diversos países europeus requerem que suas refinarias produzam e misturem combustível de aviação renovável. A União Europeia está apoiando financeiramente o desenvolvimento pela Airbus de aviões acionados por hidrogênio, e o governo francês está encorajando a Air France a pesquisar um combustível de aviação sintético.
Nos Estados Unidos, o apoio federal até agora é mínimo. Os produtores de combustível de aviação renovável recebem um subsídio de US$ 0,26 por litro, sob os créditos tributários federais em vigor para o biodiesel, mas um projeto de lei apresentado este mês na Câmara dos Deputados estabeleceria um crédito tributário com valor inicial de US$ 0,40 por litro.
As companhias de aviação deveriam buscar compensar suas emissões de carbono ou promover formas de armazenagem dos poluentes?
Outra opção a que muitas companhias de aviação recorreram é compensar as emissões de poluentes. Ao comprar um contrato de compensação de emissões, uma empresa ou pessoa na prática paga a terceiros para que plantem ou não derrubem árvores, ou tomem outras medidas que reduzam os gases causadores do efeito estufa.
Mas os benefícios de algumas compensações são difíceis de medir. É difícil saber, por exemplo, se proprietários de terras teriam cortado árvores caso não tivessem recebido pagamentos para preservar áreas arborizadas, uma forma comum de compensação. Kirby, o presidente-executivo da United, é cético quanto à efetividade dessas compensações.
“Os contratos tradicionais de compensação de emissões são uma iniciativa de marketing; são uma camuflagem ecológica”, ele diz. “Mesmo nos poucos casos em que são reais e estão fazendo diferença, seu tamanho é pequeno e não é possível ampliá-los para uma escala que ajudaria a resolver um problema mundial”.
A United ajuda passageiros e clientes empresariais a adquirir contratos de compensação, mas Kirby diz que o foco da companhia está mais no combustível sustentável e na remoção e armazenagem permanente de carbono.
Em dezembro, a companhia anunciou que investiria na 1PointFive, joint venture entre a Occidental Petroleum e um grupo de capital privado que pretende construir instalações que suguem dióxido de carbono da atmosfera e armazenem o gás em grande profundidade. A abordagem teoricamente permitiria que a United e outras companhias de aviação retirassem da atmosfera a mesma quantidade de carbono que seus aviões emitem.
“É a única solução que conheço que pode ajudar a zerar as emissões em todo o mundo, porque as outras, se você entende a matemática, simplesmente não funcionam”, diz Kirby.
Esforços como esses vêm há muito tempo sendo descartados como pouco práticos, mas as empresas estão investindo neles com frequência cada vez maior, devido à pressão de investidores e ativistas para que reduzam suas emissões. Kirby diz que investimentos como esses ajudariam a reduzir o custo dos processos. Mas alguns especialistas alertam que, embora a captura direta na atmosfera possa ajudar setores onde é difícil zerar as emissões de carbono, o objetivo final deveria ser atacar o problema na fonte.
“Se você conseguir evitar emissões, para começar, isso é muito mais barato do que ter de remover os poluentes da atmosfera”, diz Jennifer Wilcox, funcionária do Departamento da Energia americano e especialista em captura de poluentes na atmosfera.
A despeito dos desafios formidáveis, Kirby está otimista e acredita que os investimentos em combustíveis alternativos e captura de carbono resultarão em um avanço decisivo.
“Em curto prazo, o objetivo é fazer com que funcionem de forma econômica”, ele diz. “E quando passarmos desse limiar, veremos um aumento exponencial”.
Fonte: Folha