Após quatro anos de existência da plataforma de investimentos que fundou junto com a família Trajano, do Magazine Luiza, a executiva Patricia Moraes acredita que a empresa já construiu uma história e uma cultura bem definidas. A Unbox Capital estabeleceu parcerias com empreendedores e investidores sempre alinhadas com valores claros e um jeito próprio de fazer negócios. “Quando você monta um negócio, o melhor é que as coisas acontecem no seu tempo. Eu já vinha de uma cultura forte sobre como se faz, como se trata o outro, e foi muito legal ver a absorção e a troca com as outras pessoas. Costumo dizer: ‘você é firme no propósito, mas é plástico na ação’”, comenta.
Nessa empreitada, Patricia, que trocou o posto de executiva no escritório brasileiro do banco JP Morgan a convite da Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, tem comandado o portfólio de seis empresas e gerido os recursos da família Trajano e de outras também. O objetivo do fundo é comprar fatias minoritárias de companhias de médio porte em que o fundador mantém uma participação relevante e os investidores também podem contribuir com expertise na administração do negócio, se desejarem.
Época NEGÓCIOS – Como foram os dois últimos anos para a Unbox Capital, com a pandemia e a instabilidade econômica?
Patricia Moraes – As empresas em que investimos continuam evoluindo e a gente continuou evoluindo junto. Tivemos rodadas junto à Incognia (startup de tecnologia de segurança e privacidade), à agtech Solinftec e à RockContent (plataforma de conteúdo digital). Trouxemos novos sócios para algumas das empresas. Na Rock, entraram o BTG e a Crescera. Está muito legal, as empresas estão amadurecendo.
Apesar de a gente ter olhado mais de 270 negócios no ano passado e, em 2020, mais ou menos esse número também, quase um negócio por dia, uma loucura, acabamos não fechando nenhum novo nesse período. Só no começo deste ano, fizemos nosso sexto negócio, a Pingback, uma plataforma para criadores independentes com infraestrutura para poderem monetizar os conteúdos.
No ano passado, algumas novas famílias entraram com capital comprometido para as transações e, neste ano, a gente também está com foco em trazer mais algumas famílias para investir com a gente. Nossa ideia é ter investidores parceiros com quem a gente consiga trocar e ter até, em alguns casos, apoio específico nas empresas. É uma forma bem diferente de fazer. Não é que a gente vai ter um monte de investidores, mas os investidores que a gente tem estão bem próximos da gente e, muitas vezes, ajudando no crescimento das empresas.
NEGÓCIOS – O que acha que faltou nas outras centenas de empresas que vocês avaliaram ao longo deste período?
Patricia – Não termos investido não quer dizer que essas empresas não sejam “investíveis”. Como fazemos poucos negócios e acabamos ficando muito próximos das empresas, é muito uma questão de alinhamento estratégico com os empreendedores e o time dos investidores. Isso é o fator número um: a visão e até a química com o time e com os outros investidores, se a empresa já tiver. Depois também tem a gente entender como vai conseguir ajudar aquela empresa.
Existem segmentos que a gente sente que consegue impactar mais ou ajudar mais. Por exemplo, olhamos muitas health techs, de saúde, mas, em alguns casos, são muito técnicas. Temos de ter uma expertise específica nesse segmento. No nosso caso, a não ser que a gente tivesse alguém da nossa rede que conhecesse bem o assunto, fica difícil ter uma opinião. Em 2019, a gente investiu em uma AI tech. Era um negócio totalmente tecnológico de inteligência artificial e quem ajudou a olhar foi o (André) Fatala, o CTO do Magalu. Ele nos deu muita segurança com relação ao que a empresa estava fazendo.
NEGÓCIOS – O Magalu traz todo um conhecimento de varejo e e-commerce. O que as outras famílias trazem para a Unbox, além de investimento financeiro?
Patricia – Tem de tudo, desde famílias que querem estar expostas à nova economia, querem aprender, mas não necessariamente colocando a mão na massa. Com elas, a gente tem uma troca para contar o que está acontecendo no mercado, principalmente de tech, fazer atualizações, para eles ficarem mais próximos dessa evolução. Mas tem casos como de um empreendedor que vendeu o e-commerce dele. Agora tem ajudado em uma das nossas investidas, justamente para alavancar as vendas pela internet, principalmente o marketing digital. Tem sido um apoio muito bom.
NEGÓCIOS – Trouxemos para você uma pergunta da Alessandra Manicardi, diretora de vendas B2B e parcerias no Mercado Bitcoin: quais dicas você daria para uma profissional iniciante que queira criar uma carreira de sucesso em private equity?
Patricia – Uma dica é ter experiências variadas. Se você quer entrar e vencer em private equity, muitas vezes, a descrição da carreira vai dizer “formada em finanças com foco em avaliação de empresa e que consiga mixar modelos complexos de negócios”. Assim, acaba ficando todo mundo igualzinho. E você só agrega se trouxer outros ângulos.
Se você quer vir para o mercado de investimento, vá trabalhar em uma startup para entender como é por dentro; vá para uma empresa grande, estruturada, para entender aonde um dia é possível chegar. É bom saber o básico de valuation, contabilidade, mas acho muito valioso esse aspecto de ter experiências dentro de empresas. É uma coisa que não fiz. No meu time, valorizo muito.
A outra dica é sobre as pessoas. Todos os negócios são sobre pessoas. Ter conexão com outro, se colocar no lugar do outro, é algo que tento desenvolver todo dia. Não tenho isso como os empreendedores, que têm muito mais. Quem é empreendedor bom, até para saber o que o cliente quer, tem isso muito aguçado. Vejo pela Luiza, por toda a família (Trajano). Vejo por vendedores que investem com a gente. Eles têm outro nível de entendimento do outro, muito profundo.
NEGÓCIOS – Qual palavra da moda, frase pronta ou clichê corporativo você não aguenta mais ouvir? Por quê?
Patricia – Vou falar uma que você vai cair da cadeira: ESG. A gente tem de qualificar. Virou sigla da moda, que muita gente fala, mas não tenho certeza do quanto as pessoas estão fazendo para imbuir essa cultura (nas empresas). Talvez, alguns anos atrás, se você me perguntasse, eu falasse “digital”. Todo mundo falava de digital, mas ninguém estava preparado. Não tinha ninguém nos conselhos que entendesse desse tema. O CEO não estava imbuído de fazer o digital. Depois da pandemia, isso mudou.
Acho é preciso um choque, porque vejo muita gente falando “o pilar de ESG”. ESG não é um pilar, é uma forma de você fazer negócio, é priorizar certas coisas em detrimento de outras que, no curto prazo, podem não maximizar resultado ou não ter resultado imediato. Porém, no longo prazo, é o que você acredita. É uma forma de ser.
NEGÓCIOS – Qual foi sua melhor decisão profissional?
Patricia – Foi resolver empreender, depois de tantos anos no mercado corporativo. Para empreender, todo dia você mata um leão, mas estou bem satisfeita com essa decisão. Construí muita coisa no banco (JP Morgan), mas é muito realizador construir um negócio meu, com um time super alinhado. A gente está construindo um negócio do zero, o nome, a decoração, o cheiro do lugar. É também a materialização, a construção da cultura, da reputação no mercado. O resultado é na veia.
NEGÓCIOS – E qual foi sua pior decisão?
Patricia – Gostaria de ter estado mais disponível para meus filhos quando eram mais novos. Na pandemia, a gente aprendeu que você não precisa fazer certas coisas. Se soubesse disso, talvez eu pudesse ter estado mais disponível. Não tenho culpa, eu não tenho arrependimento, não é isso. Mas sabendo o que eu sei hoje… estou no escritório — o presencial é fundamental, mas não acho que é a única forma (de trabalhar) em todos os momentos. Acho que se eu soubesse naquela época, talvez tivesse feito algumas coisas diferentes.
NEGÓCIOS – Qual é seu melhor hábito?
Patricia – O melhor – mas, às vezes, também é o pior – é que sempre faço follow-up. Nem que seja responder um “não”. É muito chato você deixar as pessoas sem resposta, no limbo.
NEGÓCIOS – E o pior hábito?
Patricia – Sobre o follow-up, tem o outro lado. Até por conta do ritmo mais acelerado, às vezes, não precisaria ser tão caxias em determinadas situações. Às vezes, me cobro muito, a gente tem de dar uma relaxada.
NEGÓCIOS – Qual foi a sua série preferida dos últimos tempos? Por quê?
Patricia – Quando assisto a séries, gosto de algo não muito profundo, porque é a hora de dar aquela “baixada”. Comecei “Dear…”, na Apple TV, que fala dos momentos marcantes que transformam a sua vida e te leva para outro caminho. Tem participação da Oprah, do Spike Lee, da Jane Fonda. Às vezes, é uma palavra, uma carta, que muda a vida de pessoas que, por sua vez, impactam a vida de milhões.
Fonte: Época Negócios